quarta-feira, 4 de julho de 2012

O dia em que me tornei ela



Os cabelos louros reluziam e brilhavam mais do que o sol. Os olhos eram, ao mesmo tempo, tranqüilos e fortes. Ela sorria e me passava uma felicidade simples, tão natural que parecia não ligar para o glamour de sua existência. Aproximei-me para ver mais de perto. Queria toca-la, tê-la em minhas mãos, sentir o tecido de seu vestido.
A roupa era mais bonita que a de todas as princesas dos contos infantis. Um vestido longo, cor-de-rosa e com muito brilho, desses que faz todo mundo se entreolhar quando alguém o veste. Uns por inveja, outros por admiração, outros nem sabem o porquê. Eu não sabia o porquê.
Quero ser ela”, pensava. Queria ter essa facilidade para sorrir e fazer os olhos de quem me visse brilharem como os meus brilhavam naquele momento. Ela tinha tudo o que queria, ela poderia ser o que quisesse. Toda a beleza se concentrava naquela expressão mágica de menina segura e mulher inocente.
Minha mãe me chama. Tiro as mãos do vidro da vitrine e a olho pela última vez. Ela está lá, dentro de uma caixa, pressa à vida perfeita que lhe construíram. E eu caminho em direção ao meu mundo também cor-de-rosa, mas não tão perfeito e deslumbrante. Nem tão romântico.
Em alguns dias esqueci aquele vestido, aquele sorriso e aquela felicidade momentânea. Somente anos depois voltei a me encontrar com ela. Senti a mesma satisfação, porém agora com mais segurança. Os olhos que hoje refletiam no espelho brilhavam mais que o olhar dela naquele dia por trás do vidro. O cabelo não reluzia, mas deixava um perfume suave por onde passava. O vestido não era como o de nenhuma princesa, mas cobria com ternura e sensualidade todo o conjunto de formas adquiridas no tempo que a esqueci. Dessa vez disse decidida: “quero ser ela!”.
Ele me chama. Caminho em sua direção e ele me beija. Chama-me de princesa. Dou um grande sorrio e percebo que ele sente a felicidade natural que se forma nas covinhas de minhas bochechas e nos meus olhos espremidos. Os seus olhos brilham. “Sou muito melhor que ela”, penso agora, com toda a certeza.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Masturbação da alma




Após uma noite de amor, o casal ainda ofegante e com os corpos úmidos se afoga em seus próprios pensamentos. A mulher geralmente querendo adivinhar o que ele está pensando e ele se lembrando que precisa entregar um relatório urgente e que o jogo do seu time é dali a algumas horas. Se ele fizer uma cara estranha ela vai desconfiar que talvez ele esteja pensando na secretária da prima do tio do seu amigo ou que ele percebeu que ela engordou um quilo e meio. No fundo ele está indignado por ter de ir no mercado mais longe de sua casa para comprar a cerveja mais barata.
As expressões são tão distintas que chegam a ser muito interessantes se analisarmos do lado de fora da situação, porque ninguém gosta de ser alvo de uma tortura sexual (falaremos sobre isso no próximo parágrafo). Pois bem, se ele dorme é um insensível, se ele se levanta é um insensível e se ele perguntar “o que você falou?” ele é um super insensível. 
E se no restante do dia a mulher ficar com atitudes suspeitas de quem está brava ou chateada, ele pode não suspeitar (é preciso ser objetiva com o sexo masculino, eles não entendem “joguinhos”) ou então vai achar que é coisa de TPM ou uma dessas “neuras que as mulheres inventam” para justificar suas carências afetivas.
Neste caso existe a tortura sexual, que nada tem a ver com erotismo ou fantasias. Para a mulher é aquele momento em que o homem se levanta, toma banho e parece ter esquecido do que aconteceu minutos atrás. Talvez a tortura para o homem seja a falta de demonstração de que a mulher gostou. Independente do que aflige os sexos é importante analisar o que incomoda mais especificamente a pessoa que está ao seu lado.
Parte do estímulo sexual das mulheres está no ouvido. Muitas vezes pode ser ali mesmo o tal do “ponto G” (obs: não é pra enfiar nada nesse orifício). Não digo que o homem precise dizer que ama para conseguir tirar a roupa da mulher, mas se nos olhos dele, ela não conseguir sentir um misto de tesão, paixão, respeito e carinho (o que muitas vezes é preciso de muito sexto sentido) ela poderia muito bem ouvir o quanto aquele momento é importante, ao mesmo tempo em que é beijada.
Pare de ler por aqui se você for a favor do sexo ocasional, que dura apenas uma noite ou duas (nada contra, acho ótimo). Estou falando aqui do sexo a longo prazo, de quem procura apenas uma única pessoa quando está com vontade. Para que esta prática cresça e se desenvolva é preciso que ela seja alimentada e isso só ocorre com o tempo, com intimidade e cumplicidade.
Outro ponto muito importante no sexo a longo prazo são as preliminares diárias. De nada adianta descontar todos os problemas na pessoa, ser grosseiro durante o dia, esquecê-la durante a semana e essas coisas que são mais do que simplesmente distração, e no final do dia querer atenção. Outros mais alienados podem não entender porque a mulher não é uma deusa-mor-das-sacanagens-selvagens como ele viu uma vez em um filme pornô.
A explicação para todas as dores de cabeça que antecedem qualquer tentativa de aproximação está na distância sentimental. Quem decide por um sexo a longo prazo precisa masturbar a alma de sua parceira diariamente com manifestações de carinho e atenção, massageando o “ponto G” antes mesmo de tocá-la.