sexta-feira, 13 de julho de 2012

O resultado de uma madrugada


Ele disse que tinha algo para me mostrar. Eu quis saber o que era, e ele imediatamente segurou a minha mão. Como se escondesse um segredo sorriu, e me levou para um quarto. Foi então quando disse, com o seu jeito único de falar, que se sentia bem perto de mim e queria me mostrar o que tinha guardado no coração durante tanto tempo.

Então os seus sonhos foram projetados na parede. Com alguns deles eu me identificava, com outros não concordava, e essa era a melhor parte: ele não questionava a minha opinião, apenas aceitava. E dizia que sobre isso pensaríamos depois.

Mas então todas as luzes se apagaram, e eu falei baixinho que tinha medo do escuro. Ele me abraçou e disse que não tinha razão para sentir isso, já que no escuro nada se vê. E eu disse que era justamente por isso. Eu não tinha medo do que não via, mas do que sentia. Da solidão. Então que ele disse que ficaria comigo. E a luz voltou.

Mesmo com a claridade ele disse que ficaria, sem que eu precisasse inventar outra desculpa. Naquele momento não existiam mais relógios. Não existiam as horas. Mas nós sabíamos que era a hora de voltar quando o dia nasceu. Por um momento eu desejei que novamente fosse noite só para ficar mais tempo. Por um momento eu tive até medo de perdê-lo.

Mas no fim do dia ele me mandou uma mensagem pelo celular dizendo que se eu tivesse medo de novo era para ligar. É claro que eu liguei, mas não por medo. Por saudade. E passei a gostar da noite, do escuro, e de tantas outras desculpas esfarrapadas.

Todas as vezes em que a luz clareava o dia ele ficava comigo da mesma forma. Então eu percebi que não importava onde, como, ou quando, mas sim que ele estivesse ali. Que a sua presença me fazia esquecer que o resto do mundo e todas as angústias e aflições existiam.

Por alguns instantes eu fui feliz por sentir o seu corpo me protegendo dos meus medos interiores. Descobri que foi ele quem me fez não ter mais medo da noite, do escuro, das horas… E principalmente da solidão.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Tudo o que sobrevive aos contratempos

- Apaga a luz e fecha a porta?
- Ainda não vou embora, quero ver você dormir.
- Não vou dormir enquanto você estiver aqui.
- Então eu canto pra você.

           Ele começou a entoar doces canções, verdadeiras poesias que falavam de amor. Só de amor, porque essa era a razão que os levara até ali. Depois disso, ela só lembra que adormeceu, mas sabe que foi em seus braços porque há tempo não tinha um sono tão tranqüilo. Quando acordou imaginou ter tido um sonho. Foi quando o telefone tocou:

- Vida, apaguei a luz e fechei a porta, disse ele bocejando.

          O dia demorou a passar. Os meses demoraram mais. Quando um ano estava pra chegar, alguma coisa aconteceu. O telefone não tocava com tanta freqüência, os encontros não eram tão esperados e a vontade de estar juntos estava cada vez menor. As lágrimas viraram rotina, os beijos não tinham sabor e o coração doía demais. Ela sempre se perguntava por que machucava o que antes fazia-lhe tão bem. E por que só podia fazer parar de chorar justamente o responsável pelos seus prantos.

         Era sábado, sete e meia da noite, quando ela ligou e ele havia saído com os amigos. Não se abateu, ela iria justamente inventar mais uma desculpa para não precisar vê-lo. Esses desencontros tornaram-se comuns e entre idas e vindas resolveram não se ver mais. Com o tempo a saudade cresceu até se tornar insuportável. Tentar esquecer era fácil, ocupavam a cabeça com trabalho, estudo e até com outras pessoas. Tudo em vão. Ambos sabiam da vontade de estar juntos, mas a insegurança atrapalhava qualquer iniciativa.

        Até que um dia encontraram-se em um bar (o mesmo em que se conheceram) e os olhares cruzaram-se. Um filme passou pela cabeça e as lembranças foram o suficiente para que a coragem aproximasse os dois corpos. Parecia que haviam acabado de se conhecer. Tinha músicas que faziam lembrá-los de muitos momentos. Tanto que, quando a trilha sonora de sua história tocou, eles sorriram. Isso foi o suficiente para despertar tudo o que estava escondido dentro do coração por tanto tempo. E foram felizes até o sol nascer.

- Apaga a luz e fecha a porta?
- Claro, mas vou ficar vendo você dormir.

        Madrugada adentro o sono dela era profundo. Só despertou com o barulho de passos apressados vindos na direção do seu quarto:

- Vida, desculpe! Esqueci de apagar a luz.

         Deu-lhe um beijo de boa noite e saiu rápido para que não atrapalhasse seus sonhos, pois sabia que eram com ele.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

A quem pertence as lágrimas?

Um homem sábio e já experiente em sintomas de tristeza e desilusão a disse:

- Não, você não merece chorar.

- Por quê? Ela perguntou, enxugando os olhos inchados.

Ele sem muito pensar disse que ninguém era digno de colocar uma nuvem tão pesada sobre sua cabeça e fazê-la transbordar. Ela não entendia porque isso podia ser chamado de amor. A angústia e o sofrimento eram visíveis e sua aura tinha a cor do desespero. O único conselho que a davam era de que isso não a fazia bem.

O amor não estava fazendo bem, ela concordava. E este era o problema: o amor.

Ainda que encontrasse as respostas, não as aceitava. Se a solução fosse mandá-lo embora de sua vida não queria e não poderia, certamente.

Outro dia ela encontrou o mesmo homem e por curiosidade perguntou:

- Quem é você?

- Alguém que jamais lhe faria chorar, ele respondeu.

Então ela arrumou o vestido de algodão, sentou à beira da calçada e chorou.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Dia ótimo para viagens

Queria que o horóscopo servisse de desculpa válida para não cumprir algumas obrigações diárias. Pelo menos quatro vezes por semana todos os aquarianos, como eu, estão propícios a fazer viagens produtivas, isso segundo as previsões do jornal que leio diariamente.

Não que eu não tenha mais o que fazer, mas existe algo que me prende a este costume. Passar pelas páginas sem dar uma olhadinha é praticamente impossível, a não ser que seja um jornal antigo, o que é proibido. O problema é que costumo ficar com a pior previsão de todos os horóscopos que leio (três na média), principalmente aqueles que dizem “dia de maus fluídos nos assuntos amorosos” ou “não tente nada de inovador no trabalho: você irá se arrepender”. É justamente neste dia que algo de muito ruim vai acontecer.

Depois que assisti “O Segredo” evito ler o horóscopo para não me deparar com previsões trágicas, acreditar fielmente nessas idéias e deixar que o universo inteiro leia meus pensamentos. Nunca se sabe o que existe entre o céu e a Terra, não é mesmo?

Talvez o horóscopo seja trauma de início de “carreira”, quando a filhote de foca aqui, com zero de experiência, foi destinada à difícil tarefa de consultar os astros e ver o que eles trariam para você sagitário (capricórnio, escorpião, touro…) amanhã. Na verdade filtrava previsões de algum site. E confesso que nos dias em que elas não eram atualizadas eu copiava de algum dia anterior. Ninguém nunca reclamou.

Só tive esse problema com o resumo de novelas. Não assistia, mas sabia do nome de todos os personagens. Na hora de enxugar o texto para caber na página deixava os “babados mais fortes”, o beijo da semana ou um assassinato. Mas eis que em uma bela manhã um leitor ligou dizendo que sua mãe quase centenária lia o resumo todos os dias e não era a primeira vez que reclamava de capítulos repetidos. Eu podia jurar que ninguém lia aquilo.

Vai ver é por isso que me sinto presa ao horóscopo: já o trai e não tive a menor ética com essa informação tão importante na vida do leitor. Uma amiga dizia: “escreve coisas legais que eu leio”. De certo as pessoas que fazem os horóscopos atualmente não tem esse tipo de amiga.

E se eu levasse isso mesmo a sério? Se eu largasse tudo para viajar naquele “dia ótimo para viagens”. Se der certo posso até escrever um livro: “O segredo está em jogar tudo para o alto e passar férias prolongadas no Tahiti”. O único problema será a versão 2: “Joguei tudo para o alto, e agora?”.

Coisa complicada essa de horóscopo, acho que vou começar a fazer palavras-cruzadas.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Promoção de Dia dos Namorados

“Loiros ou morenos, altos ou baixos, aqui você encontra todo tipo de namorado para não passar o dia 12 de junho sozinha”, dizia o vendedor Claudinei com um auto-falante em frente à loja Armazém do Amor, no centro da cidade. “E tem mais”, insistia: “na compra do nosso modelo promocional ganhe um jantar à luz de velas!”.

Claudinei é um ótimo profissional, dessas “pratas da casa” que faz de tudo um pouco. Não é a toa que já foi contemplado com o título de “vendedor do mês” por vinte e duas vezes em sete anos de trabalho. Alguns dizem que por ser gay ele tem essas vantagens: as mulheres preferem comprar com ele.

- Eu sempre quis um jantar à luz de velas, suspirou Anita enquanto passava em frente à loja, num sábado à tarde, alguns dias antes da comemoração dos namorados.

Anita é romântica. Seus cabelos ruivos e lisos na altura dos ombros escondem uma garota sonhadora, dessas que desejam encontrar um grande amor. Seu último namorado, Pedro, há cerca de oito meses viajou e nunca mais deu notícias. Mas ela sabe que isso acontece nos melhores contos de fada e não se lamenta.

- Mas não com esse homem da promoção! Nem de graça eu o levaria pra casa! Indignou-se Beatrice, sua melhor amiga.

Bea, como é conhecida, gosta de festas e badalação. Levou Anita para ajudá-la a escolher um vestido novo e bem decotado. Quer usar seus novos seios de silicone (250 gramas em cada um) como arma infalível para atrair os homens.

- Ah, como você pode ser tão insensível, Beatrice! Eu não queria gastar muito no Dia dos Namorados. Acho que vou dar uma olhada nesse.

- Até hoje não sei como somos amigas!

As duas entraram na loja e pediram a Claudinei para dar uma olhada no produto da promoção. Por sorte, existiam vários modelos.

- Este aqui é o mais barato e vem com duas entradas para o cinema, explicou o vendedor.

- Não tem um menos careca, com mais dentes e sem essa garrafa de cachaça na mão? Perguntou Anita.

Então o vendedor as levou até os fundos da loja e continuou mostrando os namorados em promoção.

- Anita, aquele não é o marido da Clarice?

- É sim, o Nestor. O que ele faz aqui?

- Como eu ia dizendo, interrompeu o vendedor, nossa loja dispõe dos mais diversos tipos de namorados para agradar nossas clientes. Esta é a sessão dos namorados casados. Esta outra é a dos namorados casados e com filhos, bem mais em conta. A loja Armazém do Amor sempre pensa na satisfação de seus clientes. Adquirindo o nosso produto você estará levando para casa acima de tudo, qualidade. A única coisa em que não nos responsabilizamos, é com as interferências de esposas e coisas do gênero. Com qualquer outro contratempo, garantimos a devolução do seu dinheiro.

Elas já tinham experiência com esse tipo de namorado e sabiam que era dinheiro jogado fora. Resolveram não arriscar novamente e continuaram analisando os modelos propostos por Claudinei. Até que uma nova remessa acabava de chegar, importada da Suíça.

- Na realidade, moço, eu queria um desses, disse Bea, segurando pelo braço um loiro com mais de 1,90 de altura.

- Pois não, vou providenciar um para você provar.

Enquanto Beatrice conversava com um dos namorados importados em um puff em formato de coração, Anita insistia no par ideal.

- Moço, eu sou assim mesmo, bem indecisa. Eu gosto de ter certeza que ficarei feliz com o produto que estou comprando.

- Mas que tipo de namorado mais ou menos você procura?

- Eu queria um homem sensível.

- Gosta desse?
“Loiros ou morenos, altos ou baixos, aqui você encontra todo tipo de namorado para não passar o dia 12 de junho sozinha”, dizia o vendedor Claudinei com um auto-falante em frente à loja Armazém do Amor, no centro da cidade. “E tem mais”, insistia: “na compra do nosso modelo promocional ganhe um jantar à luz de velas!”.

Claudinei é um ótimo profissional, dessas “pratas da casa” que faz de tudo um pouco. Não é a toa que já foi contemplado com o título de “vendedor do mês” por vinte e duas vezes em sete anos de trabalho. Alguns dizem que por ser gay ele tem essas vantagens: as mulheres preferem comprar com ele.

- Eu sempre quis um jantar à luz de velas, suspirou Anita enquanto passava em frente à loja, num sábado à tarde, alguns dias antes da comemoração dos namorados.

Anita é romântica. Seus cabelos ruivos e lisos na altura dos ombros escondem uma garota sonhadora, dessas que desejam encontrar um grande amor. Seu último namorado, Pedro, há cerca de oito meses viajou e nunca mais deu notícias. Mas ela sabe que isso acontece nos melhores contos de fada e não se lamenta.

- Mas não com esse homem da promoção! Nem de graça eu o levaria pra casa! Indignou-se Beatrice, sua melhor amiga.

Bea, como é conhecida, gosta de festas e badalação. Levou Anita para ajudá-la a escolher um vestido novo e bem decotado. Quer usar seus novos seios de silicone (250 gramas em cada um) como arma infalível para atrair os homens.

- Ah, como você pode ser tão insensível, Beatrice! Eu não queria gastar muito no Dia dos Namorados. Acho que vou dar uma olhada nesse.

- Até hoje não sei como somos amigas!

As duas entraram na loja e pediram a Claudinei para dar uma olhada no produto da promoção. Por sorte, existiam vários modelos.

- Este aqui é o mais barato e vem com duas entradas para o cinema, explicou o vendedor.

- Não tem um menos careca, com mais dentes e sem essa garrafa de cachaça na mão? Perguntou Anita.

Então o vendedor as levou até os fundos da loja e continuou mostrando os namorados em promoção.

- Anita, aquele não é o marido da Clarice?

- É sim, o Nestor. O que ele faz aqui?

- Como eu ia dizendo, interrompeu o vendedor, nossa loja dispõe dos mais diversos tipos de namorados para agradar nossas clientes. Esta é a sessão dos namorados casados. Esta outra é a dos namorados casados e com filhos, bem mais em conta. A loja Armazém do Amor sempre pensa na satisfação de seus clientes. Adquirindo o nosso produto você estará levando para casa acima de tudo, qualidade. A única coisa em que não nos responsabilizamos, é com as interferências de esposas e coisas do gênero. Com qualquer outro contratempo, garantimos a devolução do seu dinheiro.

Elas já tinham experiência com esse tipo de namorado e sabiam que era dinheiro jogado fora. Resolveram não arriscar novamente e continuaram analisando os modelos propostos por Claudinei. Até que uma nova remessa acabava de chegar, importada da Suíça.

- Na realidade, moço, eu queria um desses, disse Bea, segurando pelo braço um loiro com mais de 1,90 de altura.

- Pois não, vou providenciar um para você provar.

Enquanto Beatrice conversava com um dos namorados importados em um puff em formato de coração, Anita insistia no par ideal.

- Moço, eu sou assim mesmo, bem indecisa. Eu gosto de ter certeza que ficarei feliz com o produto que estou comprando.

- Mas que tipo de namorado mais ou menos você procura?

- Eu queria um homem sensível.

- Gosta desse?

- Muito bonito! Mas ele está na sessão de produtos para homens.

- Ah, desculpe, me enganei. É o costume. Mas descreva mais, quero ver se posso lhe ajudar.

- Queria passar o Dia dos Namorados com um homem inteligente, que goste de conversar e não queria só sexo e essas coisas que estamos acostumadas. Não precisa de entrada para cinema e nem jantar à luz de velas. Você me entende?

- Claro que entendo! Os homens de hoje só querem nos usar e depois nos jogam fora. Já passei por isso, amiga! Mas comprei um namorado para o dia 12 aqui na loja mesmo, um luxo! Mas para você está difícil. O Armazém do Amor jamais deixa uma cliente abalada emocionalmente. Vamos resolver o seu problema.

Claudinei revirava o depósito. Anita olhava a vitrine e se encantava com os mais diversos tipos de namorados. Exemplares que ela nunca tinha ouvido falar.

- Escuta, moço, esses “namorados canalhas” e “namorados grossos, violentos e estúpidos” vendem?

- Vendem sim, mas é porque algumas mulheres não sabem escolher direito, respondeu um outro atendente.

Os “namorados românticos” eram os mais procurados, por isso estavam em falta. Chamou a atenção de Anita o “Namorado Pacote Completo”. Claudinei explicou que estes eram os mais pedidos. Possuíam inteligência, romantismo, eram gentis e divertidos. Anita quis logo experimentar. Eis que por coincidência, apareceu Pedro, seu ex-namorado.

- Pedro, você por aqui?

- Mundo pequeno!

- Espera aí, você está à venda?

- É, eu sou do Pacote Completo.

Anita começou a mudar gradativamente de cor e ficou terrivelmente enfurecida, tanto que Pedro achou melhor sair de perto e voltar para a sua sessão. Ela chamou Claudinei e se queixou da propaganda enganosa.

- Vamos anotar sua queixa, mas você o adquiriu aqui?

- Não, ele era meu namorado de verdade.

- Então não podemos fazer nada, mesmo porque ainda não há registro de reclamações de clientes. Mas ele tem boas recomendações. Tem certeza que não o confundiu?

Anita tinha certeza que era o mesmo Pedro que sumiu de sua vida sem mais nem menos, após muitas declarações de amor. Aquele reencontro não a tinha feito bem. Chamou a amiga que ainda provava o namorado suíço e saíram com pressa. Beatrice não estava entendendo nada e Anita só começou a explicar quando estavam há uma certa distância da loja.

- Péssima idéia essa de arrumar um namorado para o dia 12!

- Você que fez questão…

- Mas e o suíço?

- Ele nem entendia português!

- Quer saber? Esse tal de Dia dos Namorados, presente, amorzinho, ficar junto e jantar à luz de velas é a maior frescura. Resultado dessa sociedade de consumo em que vivemos! Só vou me preocupar com isso novamente daqui a um ano.

- Mas bem que você queria…

- Era só para ter um motivo de comemoração também, nada mais.

- Viu só?

- Eu detesto procurar as coisas em cima da hora!

Então Anita teve a idéia de comprar sorvete e chocolate e convidar todas as amigas solteiras para uma sessão de filmes em sua casa. Mas com uma condição: nada de romances. Beatrice não poderia ir, já havia marcado um encontro com um ex-namorado bem antigo.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

O dia em que me tornei ela



Os cabelos louros reluziam e brilhavam mais do que o sol. Os olhos eram, ao mesmo tempo, tranqüilos e fortes. Ela sorria e me passava uma felicidade simples, tão natural que parecia não ligar para o glamour de sua existência. Aproximei-me para ver mais de perto. Queria toca-la, tê-la em minhas mãos, sentir o tecido de seu vestido.
A roupa era mais bonita que a de todas as princesas dos contos infantis. Um vestido longo, cor-de-rosa e com muito brilho, desses que faz todo mundo se entreolhar quando alguém o veste. Uns por inveja, outros por admiração, outros nem sabem o porquê. Eu não sabia o porquê.
Quero ser ela”, pensava. Queria ter essa facilidade para sorrir e fazer os olhos de quem me visse brilharem como os meus brilhavam naquele momento. Ela tinha tudo o que queria, ela poderia ser o que quisesse. Toda a beleza se concentrava naquela expressão mágica de menina segura e mulher inocente.
Minha mãe me chama. Tiro as mãos do vidro da vitrine e a olho pela última vez. Ela está lá, dentro de uma caixa, pressa à vida perfeita que lhe construíram. E eu caminho em direção ao meu mundo também cor-de-rosa, mas não tão perfeito e deslumbrante. Nem tão romântico.
Em alguns dias esqueci aquele vestido, aquele sorriso e aquela felicidade momentânea. Somente anos depois voltei a me encontrar com ela. Senti a mesma satisfação, porém agora com mais segurança. Os olhos que hoje refletiam no espelho brilhavam mais que o olhar dela naquele dia por trás do vidro. O cabelo não reluzia, mas deixava um perfume suave por onde passava. O vestido não era como o de nenhuma princesa, mas cobria com ternura e sensualidade todo o conjunto de formas adquiridas no tempo que a esqueci. Dessa vez disse decidida: “quero ser ela!”.
Ele me chama. Caminho em sua direção e ele me beija. Chama-me de princesa. Dou um grande sorrio e percebo que ele sente a felicidade natural que se forma nas covinhas de minhas bochechas e nos meus olhos espremidos. Os seus olhos brilham. “Sou muito melhor que ela”, penso agora, com toda a certeza.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Masturbação da alma




Após uma noite de amor, o casal ainda ofegante e com os corpos úmidos se afoga em seus próprios pensamentos. A mulher geralmente querendo adivinhar o que ele está pensando e ele se lembrando que precisa entregar um relatório urgente e que o jogo do seu time é dali a algumas horas. Se ele fizer uma cara estranha ela vai desconfiar que talvez ele esteja pensando na secretária da prima do tio do seu amigo ou que ele percebeu que ela engordou um quilo e meio. No fundo ele está indignado por ter de ir no mercado mais longe de sua casa para comprar a cerveja mais barata.
As expressões são tão distintas que chegam a ser muito interessantes se analisarmos do lado de fora da situação, porque ninguém gosta de ser alvo de uma tortura sexual (falaremos sobre isso no próximo parágrafo). Pois bem, se ele dorme é um insensível, se ele se levanta é um insensível e se ele perguntar “o que você falou?” ele é um super insensível. 
E se no restante do dia a mulher ficar com atitudes suspeitas de quem está brava ou chateada, ele pode não suspeitar (é preciso ser objetiva com o sexo masculino, eles não entendem “joguinhos”) ou então vai achar que é coisa de TPM ou uma dessas “neuras que as mulheres inventam” para justificar suas carências afetivas.
Neste caso existe a tortura sexual, que nada tem a ver com erotismo ou fantasias. Para a mulher é aquele momento em que o homem se levanta, toma banho e parece ter esquecido do que aconteceu minutos atrás. Talvez a tortura para o homem seja a falta de demonstração de que a mulher gostou. Independente do que aflige os sexos é importante analisar o que incomoda mais especificamente a pessoa que está ao seu lado.
Parte do estímulo sexual das mulheres está no ouvido. Muitas vezes pode ser ali mesmo o tal do “ponto G” (obs: não é pra enfiar nada nesse orifício). Não digo que o homem precise dizer que ama para conseguir tirar a roupa da mulher, mas se nos olhos dele, ela não conseguir sentir um misto de tesão, paixão, respeito e carinho (o que muitas vezes é preciso de muito sexto sentido) ela poderia muito bem ouvir o quanto aquele momento é importante, ao mesmo tempo em que é beijada.
Pare de ler por aqui se você for a favor do sexo ocasional, que dura apenas uma noite ou duas (nada contra, acho ótimo). Estou falando aqui do sexo a longo prazo, de quem procura apenas uma única pessoa quando está com vontade. Para que esta prática cresça e se desenvolva é preciso que ela seja alimentada e isso só ocorre com o tempo, com intimidade e cumplicidade.
Outro ponto muito importante no sexo a longo prazo são as preliminares diárias. De nada adianta descontar todos os problemas na pessoa, ser grosseiro durante o dia, esquecê-la durante a semana e essas coisas que são mais do que simplesmente distração, e no final do dia querer atenção. Outros mais alienados podem não entender porque a mulher não é uma deusa-mor-das-sacanagens-selvagens como ele viu uma vez em um filme pornô.
A explicação para todas as dores de cabeça que antecedem qualquer tentativa de aproximação está na distância sentimental. Quem decide por um sexo a longo prazo precisa masturbar a alma de sua parceira diariamente com manifestações de carinho e atenção, massageando o “ponto G” antes mesmo de tocá-la.

sábado, 30 de junho de 2012

E-mail de um amor indiscreto



Olá.
Venho por meio deste esclarecer algumas coisas que ficaram mal interpretadas para você desde o término de nossa convivência (prefiro chamar dessa forma o que muitas pessoas tratam por relação). Essa formalidade é para você não pensar que temos alguma intimidade, nem mesmo por e-mail. Pensando bem, você não merece formalidade alguma. Você merece alguém que lhe diga boas verdades para parar de ser convencido e eu vou lhe fazer este favor. Acordei meio solidária hoje, sabe? Às vezes as pessoas superiores (eu), se é que você sabe o que é isso, devem ajudar as inferiores (você) a enxergarem que o mundo não gira por sua existência. E é só por isso que estou enviando esse e-mail.
Antes que você pense que eu pedi seu e-mail para alguém, esteja certo de que eu mesma resolvo meus problemas e peguei no seu facebook. Não, eu não fico fuçando sua página, até porque tenho mais o que fazer, mas este caso é uma mera exceção.
Bom, vamos aos esclarecimentos: quando eu gritei o seu nome no centro da cidade eu realmente achava que era você. De costas todo mundo é meio parecido. Eu só precisava passar um recado urgente que eu nem lembro mais o que é. Azar o seu. Aliás, quem foi que lhe disse isso? Algum fofoqueiro de plantão, com certeza. Na certa um daqueles seus amigos, exemplares autênticos do mal masculino. Não que eu esteja muito incomodada com isso, afinal você também não está longe de ser um. Mas isso não vem ao caso agora.
Outra coisa, na última sexta-feira, quando nos encontramos por acaso (porque eu jamais freqüentaria o mesmo lugar que você), foi mesmo um acidente ter deixado cair a bebida em sua roupa. Toquei nesse assunto porque não achei justo você falar com aquele “ar de convencimento” que eu faço de tudo para chamar sua atenção. Sinto muito, mas não foi isso que aconteceu. O lugar estava realmente cheio e foi inevitável esbarrar em você. Podia acontecer com qualquer um. Da próxima vez leve uma mulher que ocupe menos espaço com seus peitos siliconados, ok? E faça o favor de pagar uma bebida a mim. Não exatamente a mim, mas a pessoa que possa passar pelo mesmo constrangimento que eu. Mas não vou ficar ensinando-lhe a ser mais gentil porque eu já não preciso mais viver com a sua companhia. Nunca precisei, de fato.
Ah, e não precisa pedir para as minhas amigas me avisarem que você sabe que sou eu quem liga para sua casa e não fala nada. Por que eu faria isso? Se eu quisesse mesmo “falar” com você evitaria sua voz e mandaria um e-mail como estou fazendo agora. Aliás, eu nem tenho mais o número do seu telefone.
E pela última vez: não me ajoelhei na sua frente quando você ameaçou ir embora depois da nossa última crise de ciúmes. Eu estava amarrando os sapatos. As lágrimas são um exagero seu, foi apenas um cisco que caiu no meu olho.
(Sem mais para sempre).

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Censura



Era inverno. A festa era de noite e se estenderia por toda a madrugada. As duas garotas deveriam ter em torno dos 17 anos na carteira de identidade, mas quando escolheram a roupa tinham mais. Muito mais. Chegaram causando torcicolos e olhares para a parte traseira de seu corpo. Não escondiam pernas e coxas e pareciam não se importar se algo mais aparecesse.

Encontrei-as no banheiro. Enquanto uma ajeitava o cabelo, a outra subiu em um suporte para ficar com o corpo inteiro visível no espelho e olhar seu modelito. Ajeitava a saia para que ficasse estupidamente no limite da censura, nem menos (e nem mais, é claro).

O que elas queriam daquela noite? Nunca saberei, jamais tinha as visto antes. Nunca perguntaria. Mas dali a pouco um homem passou a mão justamente onde elas tentavam a todo custo fingir que queriam esconder com o pouco pano.

- Seu idiota! Não tem respeito por uma mulher?  – se indignou a vítima.

Ele não entendeu. 

Mas então por quê mostrar do produto a sua frente e de graça? Penso que foi justamente isso que ele deve ter se perguntado, já que ninguém lhe disse que era só para olhar. Não havia ao menos um aviso!

E sobre respeitar uma mulher? Ele certamente não sabia. 

Nem ela.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Vontades





Vontade de um dia inteiro pra espreguiçar
pra ficar de pernas pro ar e esquecer o cansaço da esperaDesejar que logo amanheçaa cidade ganhe formae as pessoas na ruafaçam dobrar a solidão
Vontade de um sono profundo
sem interrupções
Um sonho, uma pílula, uma proteção
pra enfrentar a insônia
Encher a cabeça de coisas sem nexo
fingir que há importância em fatos banais
disfarçar a vontade de que o dia passe rápido
mais uma vez e depressa
Vontade de banho de chuva
chocolate, mãos dadas, abraço de madrugada
o vento que bagunça os cabelos na beira do mar
para se fazer repetir um tempo bom
E de novo esperar a noite
para contar em detalhes
falar da saudade
lembrar os minutos
Aquietar a mente só por mais um dia
para que a vontade
de tudo e nada ao mesmo tempo
passe logo, de uma vez
Mas se você viesse agora já estava bom
E depois eu pensaria o que fazer com os outros dias
e a vontade de você
que me desequilibra

*Oi, voltei! Vamos ver se agora eu atualizo esse blog com mais frequência...